PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA TRIBUTÁRIA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL - Art.150, § 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

domingo, 20 de março de 2011

CONCEITOS SUBJETIVOS DÃO SUPERPODERES AO FISCO

Por Alessandro Cristo e Ludmila Santos - Consultor Jurídico, 13/03/2011

Em matéria de Direito Tributário, conceitos subjetivos são perigosos, porque dificultam a interpretação e, consequentemente, a fiscalização das leis. A análise é da advogada tributarista Mary Elbe Queiroz, sócia do escritório Queiroz Advogados Associados, que em fevereiro embarcou para Portugal para iniciar seu pós-doutorado em planejamento fiscal. A matéria objeto de seu estudo é controversa. Segundo ela, a Receita Federal tem desconsiderado operações e negócios lícitos, que buscam a redução de custos, por meio de “subjetividades” e “achismos”.

Desde a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, por meio da Lei Complementar 104/2001, o tema planejamento tributário gera polêmica. O dispositivo permite que o Fisco exija o pagamento de impostos mesmo nos casos em que ele foi evitado licitamente pelo planejamento tributário, pela chamada elisão fiscal. Porém, não há consenso sobre termos como “dissimulação” e “abuso de forma”, critérios que, segundo a lei, deslegitimam as operações. Além disso, a norma ainda carece de regulamentação.

“No momento em que o Brasil quer aprovar uma norma antielisiva, conhecer as experiências de outros países é importante para se escolher o melhor caminho e evitar incorrer nos mesmos equívocos”, conclui Mary Elbe. No período em que estiver em Lisboa, a tributarista pretende identificar procedimentos lícitos e objetivos, além de provas para que os contribuintes brasileiros possam fazer uma economia tributária com segurança, sem violar a lei. O tema da tese é Planejamento Tributário: Procedimentos lícitos e combate eficaz ao abuso.

Mary Elbe é referência quando o assunto é Direito Tributário. A pernambucana tem ampla experiência, não só como advogada, mas também como membro do antigo Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal, onde atuou por cinco anos. Antes, foi auditora fiscal da Receita durante 22 anos. Ela, que comanda a presidência do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários, também foi consultora do Sebrae e da CNI, cargo em que colaborou na formatação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas.

Autora de três livros sobre Direito Tributário — sem contar os títulos que escreveu com outros autores — e de inúmeros estudos e artigos na área, a advogada orgulha-se de já ter percorrido todos os estados do Brasil, com exceção do Amapá, oferecendo consultoria e treinamento e participando de eventos e seminários. “Posso dizer que conheço bem o processo de legislação.”

Seu trabalho nos dois lados do balcão lhe garantiu uma visão além das leis tributárias, focada no negócio de seus clientes, expertise difícil de encontrar. “As questões tributárias não são apenas jurídicas, de olhar para a lei tributária. Você tem de ter uma visão econômica. As mudanças na contabilidade modificaram paradigmas”, diz, ao comentar sobre as novas exigências trazidas pela Lei 11.638, de 2007, que obrigou as empresas a adequarem suas contabilidades aos padrões internacionais.

Como forma de poder oferecer serviço mais pessoal a seus clientes, a tributarista acaba de abrir dois escritórios: um em São Paulo e outro em Brasília. Porém, avisa que o foco não é ampliar a carteira. “Trabalhamos com causas em um determinado montante. Para manter o ritmo de trabalho, temos de ter poucos clientes, para que possamos fazer o acompanhamento direcionado dos casos. O escritório é como uma boutique, conheço os detalhes de cada um dos processos.” Por isso, a equipe é pequena. Mesmo com os novos escritórios e a matriz em Recife, Mary Elbe comanda um grupo de cinco advogados e cinco estagiários.

Antes de embarcar para Portugal, a advogada recebeu a reportagem da ConJur em seu novo escritório na capital paulista. Ler a íntegra na fonte: http://www.conjur.com.br/2011-mar-13/entrevista-mary-elbe-queiroz-advogada-especialista-direito-tributario

Aqui alguns trechos da entrevista:

ConJur — O peso da carga tributária no Brasil é muito grande. A legislação sobre tributos é bastante complicada, com novas normas fiscais publicadas diariamente. Como o advogado tributarista deve atuar nesse cenário?
Mary Elbe Queiroz — Hoje as questões tributárias não são apenas jurídicas. É preciso ter uma visão mais ampla da empresa, uma visão econômica, financeira, contábil. Antes, a lei tributária mudava a forma de contabilizar, dava uma ordem, por exemplo, para fins tributários, e a contabilidade já se ajustava. Hoje há uma contabilidade para registros contábeis e outra para registros fiscais. Por exemplo, para o Imposto sobre a Renda, os bens devem ser avaliados pelo custo de aquisição. Já para fins contábeis, a avaliação é pelo preço justo.

ConJur — Como está a questão no Brasil?

Mary Elbe — As empresas buscam planejar para reduzir a carga tributária. No Brasil se fala muito em regiões que são paraísos fiscais. No Norte e no Nordeste há 75% de redução do Imposto de Renda. Mas é preciso analisar o outro lado. Que empresa se instalaria nessas regiões se não houvesse esses benefícios? Não haveria emprego nesses locais, os estados dependeriam mais do Fundo de Participação. Gosto de trabalhar no aspecto preventivo, de orientação, porque muitos planejamentos tributários estão sendo autuados, e esses autos de infrações estão sendo mantidos por falta de cuidado na estruturação.

ConJur — Os últimos casos de punição por planejamento tributário se deram por falta de cuidado das empresas ou a Receita está apertando demais o contribuinte?
Mary Elbe — Teve certa falta de cuidado por parte do contribuinte, o que provocou a mudança de postura da Receita. Antigamente se dizia que o que não é vedado por lei não é proibido. Mais isso não quer dizer que se pode fazer de qualquer jeito. Com a Lei Complementar 116, a Receita queria desconsiderar operações que fossem feitas com o único fim de economia tributária, uma coisa que não deu certo na Espanha. Na época em que a lei estava sendo formatada, disse que a lei era inconstitucional. Depois ela foi aprovada, mas precisava de regulamentação, foi quando saiu a Medida Provisória 66, que todo mundo achou um absurdo e que iria piorar a situação e por isso não foi aprovada.

ConJur — Por quê?
Mary Elbe — Porque ela teria de estabelecer critérios objetivos para essa desconsideração. Hoje isso está muito no subjetivismo, no achismo. Houve abuso do contribuinte, só que agora está havendo abuso do Fisco também. É preciso haver um equilíbrio, porque os contribuintes não podem ficar na insegurança de fazer uma operação que não é vedada pela lei e que, de repente, é desconsiderada porque a empresa simplesmente pagou menos tributo. Eu acompanho um caso, em julgamento, em que a empresa tomou um empréstimo para comprar uma concorrente. Ela cresceu, gerou emprego, passou a recolher mais. Porém, o Fisco sentiu que havia alguma coisa errada e considerou a despesa com a operação indedutível, porque o empréstimo foi feito fora do país. O motivo foi que a Selic aqui é muito alta. O Fisco entendeu que precisava haver aumento de capital, mas a empresa não tinha bens para vender.

ConJur — Quais sua avaliação do Projeto de Lei 354/09, que concede vantagens fiscais para facilitar a repatriação de valores mantidos no exterior e não declarados à Receita?
Mary Elbe — A vantagem é que o dinheiro vindo para cá vai gerar imposto. De uma forma ou de outra vai haver o pagamento de imposto. Caso contrário, o dinheiro não volta. O dinheiro está rendendo investimentos, gerando empregos em outro lugar. Então, para o Brasil, é interessante. Agora, tem de se distinguir dinheiro que não é proveniente de crimes. E essa é a desvantagem, permitir que dinheiro enviado ao exterior em decorrência de crimes seja legitimado. É uma anistia de crimes. É só depois que se vai descobrir que a pessoa é criminosa. O que poderia ser feito é o dinheiro entrar no país e pagar o imposto. Porém, o crime em si, que gerou os recursos, não pode ser anistiado. Ou seja, em algum momento o Ministério Público consegue investigar e ver que aquela pessoa efetivamente é criminosa e que tem de ser punida criminalmente.

ConJur — Mas esse dinheiro não valeria mais como prova.

Mary Elbe — A prova não é o dinheiro. Se você está de posse de R$ 1 milhão, isso não vai dizer que você cometeu um crime. Agora, é duro permitir no final das contas que a pessoa tenha seu dinheiro legalizado. Do ponto de vista de tributação, esse dinheiro está lá fora e nunca vai voltar. Mas há o aspecto educativo, ou seja, se você permite num momento que qualquer dinheiro entre, você está passando a seguinte mensagem: de alguma forma você pode delinquir e daqui um tempo esse dinheiro vai poder voltar e ser legalizado. Essa questão é mais forte no efeito social. Por exemplo, todo mundo é contra essa questão do crime de sonegação, mas quando você paga ou parcela, acabou o crime, se extinguiu a punibilidade. Eu não sou contra. Por quê? Porque na realidade ele pagou o imposto e com multa. O único problema é o efeito educativo.

ConJur — A multa já não exerce essa função?
Mary Elbe — Pois é. A multa agravada exerceria a condição de punição. No caso de dinheiro de sonegação, é legítimo o retorno dele ao país e o contribuinte pagar tributo. O problema é que nesse balaio de gato pode vir dinheiro de crimes como tráfico. Mas, se por ventura passar, não pode haver a extinção da punibilidade do crime só porque houve a entrada do dinheiro pagando imposto. Se por alguma forma o Ministério Público identificar que houve crime, o contribuinte tem de ser punido.

ConJur — Como a doutora tem visto decisões que relativizam coisa julgada na fase de execução da sentença pró-contribuinte?
Mary Elbe — Eu tenho visto muita execução de crédito-prêmio em que a pessoa tem sentença transitada em julgado e, nos embargos, se está revendo tudo. É uma insegurança total, porque a decisão judicial, certa ou errada, tem de ser definitiva e virar lei, senão nada mais é respeitado. Todo o sistema fica abalado, e rui. Em algum momento você tem de ter algo que encerre um litígio e não possa mais ser desfeito. Hoje, das nossas instituições, a única forte é o Executivo, que legisla por medida provisória. Quando o Supremo julga questões de inconstitucionalidade, julga favoravelmente à Fazenda, dando efeito prospectivo. Ou seja, a arrecadação é feita com base em uma lei inconstitucional, mas depois vem a Fazenda e diz que vai ter perda de arrecadação e o Judiciário aceita isso.

ConJur — Esse é o principal argumento?

Mary Elbe — Sim. A relativização da coisa julgada é a total insegurança. Como ficam as relações jurídicas, as atitudes no negócio, feitas com base em uma sentença transitada revista depois de cinco ou dez anos?

ConJur — O que é mais forte: o princípio da segurança jurídica ou o Código de Processo Civil, no qual o Fisco se baseia?
Mary Elbe — Coisa julgada não é só um princípio, é uma das bases do sistema de um Estado Democrático de Direito. Legalidade é uma das bases do sistema Democrático de Direito, assim como coisa julgada, o ato jurídico perfeito. A minha sentença tem de ser respeitada, porque o órgão máximo que deu a sentença que transitou em julgado também tem que ser respeitado. A coisa julgada é a lei do Judiciário.

ConJur — Então que o artigo do CPC que autoriza a relativização é inconstitucional?

Mary Elbe — Não. Eu acho que ele não diz que vai poder ser relativizada a coisa julgada sempre. Não posso interpretar que tudo mudou porque o entendimento do Supremo foi alterado. No máximo, eu poderia dizer que a mudança valeria dali para a frente. Desconstituir o título judicial não é desconstituir a sentença. Eu posso, nos embargos, ou na defesa da execução ou no momento da execução, discutir a partir da sentença, mas não o conteúdo da sentença. Se o Supremo mudou o entendimento, mudou para outros fatos. A minha sentença transitou em julgado. É possível, no momento da execução, discutir o seguinte: os fatos estão de acordo com a sentença? No caso de pagamento do PIS e da Cofins da sociedade civil, o Supremo entendeu que a matéria é infraconstitucional. Aí o STJ julga e faz uma súmula dizendo que os tributos não são devidos. Com base nisso, o cidadão confiou, agiu de boa-fé e não pagou. Aí vem o Supremo e muda tudo. Qual é o interesse coletivo a ser protegido, o interesse público? É arrecadar a qualquer preço, passando por cima da base da sociedade? O Estado foi criado como ente que organiza a sociedade, mas esse Estado também tem de se submeter às regras, não é ilimitado.

ConJur — A Receita pode ter acesso a dados bancários sem autorização judicial?
Mary Elbe — Não existe sigilo bancário para a Receita Federal, porque ela já tem de conhecer tudo. Se o contribuinte é obrigado a escriturar tudo em livros, todas as operações, todos os negócios, qual é o segredo que o Fisco não pode acessar? Não existe sigilo a ser quebrado, porque não existe sigilo. Mesmo a pessoa física é obrigada a informar na declaração quanto tem no banco. O que o Fisco não pode acessar são as informações detalhadas sobre o destino do seu dinheiro. Mas o volume de recursos que foi movimentado ele tem que acessar sim. Cada operação de entrada e saída tem de estar escriturada no Livro Diário. Se existe algo sigiloso, que não está escriturado, aí sim está errado, porque está havendo sonegação de informações e omissões.

ConJur — E quanto à execução fiscal administrativa?
Mary Elbe — Determinadas coisas têm de ficar com o Judiciário, como a execução. A execução administrativa é feita pela Fazenda, que é parte. Nesses casos, é melhor que um terceiro, independente, imparcial, analise.

ConJur — O Fisco diz que seria apenas uma penhora garantidora.

Mary Elbe — Garantidora do quê? O título foi constituído unilateralmente. Depois que ele é constituído, é aberta a possibilidade de defesa do contribuinte, que passa por um órgão julgador paritário, onde a Fazenda está presente. O jogador não pode cobrar o escanteio e correr para cabecear. Para que haja equilíbrio na relação administração/administrado é preciso, em um momento, que um terceiro possa ver de fora se está tudo certo ou errado. O Judiciário já entra nas contas bancárias e bloqueia valores. Imagine se a própria Fazenda puder fazer isso.

ConJur — A reforma tributária tem de ser feita em nível constitucional?
Mary Elbe — Sim. Constitucionalizaram-se regras tributárias para que elas fossem modificadas com mais dificuldade. Só que isso não tem muito efeito quando temos tantas emendas constitucionais. A legislação do PIS/Cofins é a coisa mais maluca que pode existir. É uma Babel legislativa. A grande promessa na exposição de motivos era acabar com a cascata para desonerar o produtor. Aí fizeram o PIS/Cofins não cumulativos, e a primeira coisa foi vedar o aproveitamento de créditos. É interessante você ler a exposição de leis. Escrevem coisas tão lindas, mas na prática é diferente.

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