EDITORIAIS
Preocupada com os efeitos de uma declaração impensada sobre inflação e crescimento econômico, a presidente Dilma Rousseff voltou correndo aos microfones para dizer que seu comentário havia sido manipulado. Não foi exatamente o que aconteceu. O que ocorreu foi resultado da extrema sensibilidade de um mercado que, permanentemente preocupado em potencializar os ganhos, interpretou a fala presidencial como um sinal de que não haverá alta da taxa básica de juros para conter a inflação. Menos mal que a presidente se deu conta das consequências e reagiu rapidamente, procurando recolocar as coisas no seu devido lugar: o governo não renunciará à política de combate inflexível e permanente da inflação. Mas ficou o alerta: o dragão está vivo e não deve ser cutucado com vara curta.
Em Durban, onde esteve reunida com representantes do Brics – o grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, a presidente da República demonstrou preocupação com o “receituário que quer matar o doente em vez de acabar com a doença”, considerando superada qualquer possibilidade de prejudicar o crescimento. O que contribuiu mais para uma redução nos juros futuros, porém, foi a afirmação de que as questões específicas sobre inflação são da alçada do ministro da Fazenda. No Brasil, política monetária compete ao presidente do Banco Central, a começar pelo fato de que o controle da inflação baseia-se em metas. Quando falta clareza em relação a esses aspectos dentro do governo, o mercado aproveita a oportunidade para ampliar seus próprios ganhos, o que normalmente implica perdas para a sociedade de maneira geral.
Até a manifestação presidencial, e desde a afirmação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, de que a inflação estava em nível desconfortável, o mercado vinha apostando com mais força numa elevação da taxa básica de juros. Desde então, a tendência foi perdendo força, principalmente pelo fato de o Planalto ter continuado a apostar na política de redução de tributos. Foi o que ocorreu com a cesta básica, apesar de os resultados efetivos ainda se mostrarem tímidos sob o ponto de vista do consumidor. Por isso, é positivo que, depois da reação desfavorável a sua manifestação, a presidente tenha reforçado a afirmação de que “o combate à inflação é um valor em si”.
A presidente da República não pode levar em conta apenas o impacto dos níveis de crescimento sobre a inflação. Precisa se preo-cupar também com os efeitos perversos da elevação do custo de vida sobre a economia de maneira geral. A garantia do poder aquisitivo dos consumidores é um pressuposto para que o país volte a conviver com níveis adequados de um desenvolvimento sustentado, menos vulnerável a mal-entendidos e aos humores do mercado.