EDITORIAL INTERATIVO
Os brasileiros cumprem, até terça-feira, um ritual que se repete penosamente todo ano, com resultados cada vez mais desfavoráveis às famílias que se esforçam para melhorar rendimentos e, por consequência, capacidade de compra e qualidade de vida. O preenchimento da declaração do Imposto de Renda denuncia como o setor público se apropria dos ganhos da classe média pela estratégia danosa de atualizar precariamente a tabela do tributo. Uma entidade dos próprios servidores do Fisco, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, tomou a iniciativa de calcular o tamanho da mordida. A defasagem entre a correção da tabela e a inflação chegou a 66,4% entre 1996 e 2012.
Nesse período, ou a tabela não foi nem mesmo corrigida ou foi reajustada parcialmente, como ocorreu nos últimos anos, quando a atualização ficou em apenas 4,5% a cada 12 meses, ante uma inflação oficial de 6,5% em 2011 e de 5,84% em 2012. O que o governo faz é simplesmente corrigir para baixo – em relação aos índices de aumento de preços – os valores da faixa de isenção e das faixas subsequentes, ampliando, ano a ano, o IR a ser pago e engordando seus cofres. Estudo da consultoria Ernst & Young mostra que o maior prejuízo se dá exatamente entre a classe média ascendente. A tradução disso é uma distorção grave: a União sequestra grande parte da renda de milhões de famílias, sem oferecer a contrapartida da melhoria dos serviços.
É uma punição para parcela da população que o próprio governo exalta como os beneficiados, direta ou indiretamente, pela estabilidade, pelo pleno emprego e pela melhoria de renda. Muitos desses novos integrantes da classe média se incluem entre os 26 milhões de pessoas que devem apresentar declaração de Imposto de Renda este ano. Não são poucos os integrantes desse contingente que constatam, anualmente, quando do preenchimento do formulário, que uma parte cada vez maior do que poderiam destinar à aquisição de bens, ou à educação, à saúde e ao lazer é apropriada pelo governo. São muitos os estudos reveladores de que, no confronto com o que é despendido pelas empresas, a pessoa física, em especial o contribuinte da camada intermediária de renda, é o que, proporcionalmente, mais paga impostos no Brasil.
O país não pode perder a capacidade de se indignar com o fato de que a carga de impostos bate recordes todo ano, como ocorreu em 2012, quando chegou a 36% do PIB. O questionamento da ganância tributária não pode, portanto, ser confundido com desobediência fiscal e tampouco como uma defesa da indexação da correção da tabela aos índices inflacionários. O que se reclama é a atualização dos valores em níveis razoáveis, não tão distantes dos que medem o aumento dos preços.
O IR tem outras discrepâncias, como o tratamento desigual à saúde e à educação nas regras das deduções. Despesas com educação não podem ser deduzidas integralmente, mas gastos com cirurgias plásticas embelezadoras são abatidos, na totalidade, como investimento em saúde. Corrigir essas e outras distorções, com a justa atualização da tabela do imposto e a adequação da tributação à capacidade de pagamento dos contribuintes, é mais do que uma exigência de cunho social ou econômico. É um imperativo ético das relações transparentes do Estado com seus cidadãos.
O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site de Zero Hora, na sexta-feira, com links para Facebook e Twitter. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias entre as 444 manifestações recebidas até as 18h de sexta. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: Editorial denuncia ganância tributária no Imposto de Renda. Você concorda?
O leitor concorda
Editorial muito claro. Pena que os senadores e deputados vão ler o texto e colocar o jornal fora!. Henrique Nienov, Porto Alegre (RS)
A pessoa física é que acaba sendo espoliada, pois toda pessoa jurídica consegue diluir seus ganhos em suas muitas despesas. São “n” formas de incentivo. As leis não foram feitas para beneficiar a PF, mas sim a PJ. Isto é histórico e em todo mundo. Ocorre que aqui, com essas sucessivas pequenas e injustas atualizações das tabelas de IR, a coisa chegou a um limite absurdo. Sílvio André Lacerda Alves, São Leopoldo (RS)
O sequestro de nossa renda é indevido, exagerado, ainda mais se considerarmos que parte desta arrecadação vai servir à corrupção e ao desperdício. José Luiz Bicca Heineck, São Gabriel (RS)
Concordo. Os números falam por si: reajustar a tabela do IR sempre abaixo da inflação é a confissão da ganância tributária que impera no nosso país. Infelizmente não há a mesma “gana” em melhorar os serviços públicos. José Roberto Missel Corrêa, Santa Maria (RS)
Como toda pessoa jurídica, seja ela indústria, comércio, financeira ou de serviços, encara tributos como custos, estes valores são repassados. E, como em toda a cadeia produtiva, o agente econômico que não pode repassar custos é a pessoa física, este acaba sendo o único que de fato arca com a carga tributária. O Imposto de Renda sobre salários e aposentadorias é bitributação. E, com base no editorial, podemos falar em tritributação pela incorreta correção da tabela de cálculo daquele tributo. O cidadão segue sendo espoliado e anestesiado. Guilherme Bernd, Rio Grande (RS)
Sim, o governo é um arrebatador despudorado para com os seus cidadãos. José Rafael Novaes D’Amico, Campinas (SP)
Concordo plenamente, e digo mais. Não temos “escapatória”. Há mais de 60 anos os contribuintes reclamam e a “coisa” cada vez fica pior. O ideal seria que o crescimento da renda provocasse a redução do percentual do imposto, pois o aumento da renda implica maior consumo, que também é tributado. A voracidade do Estado não entende assim, e prefere “agarrar” o que puder na fonte. Benhur O. Branco, Cruz Alta (RS)
Roubo, isso sim. Pagar imposto sobre salário? Quem disse que salario é renda? José N. Lopes (Facebook)
É uma vergonha você ter que pagar imposto para trabalhar. Luis da rui (twitter)
O leitor discorda
Não totalmente. O problema não é cobrar (mais) esse imposto, pois o Estado precisa arrecadar recursos para os projetos da nação. Mas o que destoa nisso, já que essa tributação existe em muitos outros países, com ganância semelhante à nossa, é o retorno que se tem da aplicação dessa arrecadação. E, nesse quesito, nosso país parece um saco sem fundo, pois, quanto mais se arrecada, mais falta para investir-se em saúde, educação, segurança etc. Juliano Pereira dos Anjos, Esteio (RS).
O leitor discorda
Não totalmente. O problema não é cobrar (mais) esse imposto, pois o Estado precisa arrecadar recursos para os projetos da nação. Mas o que destoa nisso, já que essa tributação existe em muitos outros países, com ganância semelhante à nossa, é o retorno que se tem da aplicação dessa arrecadação. E, nesse quesito, nosso país parece um saco sem fundo, pois, quanto mais se arrecada, mais falta para investir-se em saúde, educação, segurança etc. Juliano Pereira dos Anjos, Esteio (RS).
Paga mais quem ganha mais e menos quem ganha menos. Esse é o caminho. Luiz Rechzen (twitter)
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Que país democrático é este onde a pessoa paga imposto para trabalhar? É uma afronta a quem detém o mandato do poder político, pagando um alto custo sem contrapartidas em áreas que envolvem vida, saúde, futuro e segurança. Aquele que ganha mais, vai consumir mais, pagando assim mais impostos. O salário não podia entrar nesta conta já que é produto de trabalho, de sacrifício e de autonomia para se viver numa sociedade laboriosa e pacífica que todos desejam. A cobrança de impostos na renda do trabalho é uma medida totalitária para quem tem, de fato, detém o poder dos governantes e arca com os custos da pesada máquina do Estado Brasileiro.