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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

PEC da felicidade - Constituição e felicidade

PEC da felicidade - Constituição e felicidade - O GLOBO, 18/08/2010 às 16h40m; Artigo do leitor Ivan Bilheiro*

A proposta de emenda à Constituição que já se tornou conhecida como "PEC da Felicidade", gerou um interessante debate. Tramitou no Senado Federal, em projeto encampado pelo Senador Cristovam Buarque (PDT-DF), e agora passa pela Câmara de Deputados . Mas está, também, sob a reflexão da sociedade como um todo. A discussão sobre a proposta e, mais amplamente, sobre a humanização da Constituição, é válida e deve encontrar ambiente propício em um sistema democrático.

" Que tipo de efeito geraria esta alteração, caso aprovada? Nenhum "

Em síntese, a proposta é que seja feita uma alteração na Constituição do país, especificamente em seu artigo 6º, que trata dos direitos sociais que o Estado deve garantir aos cidadãos (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados). Segundo a proposta, seriam estes direitos sociais condições essenciais à busca da felicidade e, sendo assim, deve-se mudar o referido artigo, que passaria a vigorar da seguinte maneira: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Contudo, como não se pode negar, a felicidade tem algo de bastante subjetivo. Isto já cria um complicado obstáculo à discussão: qualquer posicionamento contrário à PEC pode ser rotulada como uma oposição à própria felicidade ou, ainda pior, um atentado contra a felicidade do povo brasileiro. Mas, a partir do momento em que se pretende estabelecer um debate profícuo à nação com relação a este tema, rótulos como esse não têm mais lugar. Não se deve considerar sempre a crítica como algo negativo, ou nenhum diálogo realmente profícuo poderá existir.

Dito isto, uma breve consideração em oposição à "PEC da Felicidade" pode ser feita. Em primeiro lugar, há que se fazer um esclarecimento importante: a alteração deste artigo da Constituição, com o acréscimo da expressão proposta, não torna a felicidade um direito constitucional no Brasil. A alteração simplesmente torna explícito que os direitos sociais são essenciais à busca de algo, aqui considerado a felicidade.

Lei sem significado prático

Mas aí entra um outro ponto importante, o qual também desfavorece o projeto: que tipo de efeito geraria esta alteração, caso aprovada? Nenhum. Se o Estado tem o dever de oferecer determinados direitos à sociedade, este dever permanece independentemente dos efeitos dos direitos. Em outras palavras, a discussão crucial é sobre quais são os direitos que devem ser garantidos à sociedade brasileira, e não sobre os efeitos destes direitos, que já devem ser tomados por pressuposição como benéficos à sociedade. Se está determinado pela Constituição quais são os direitos sociais é porque se reconhece, juridicamente, que ao Estado cumpre o dever de garantir tais direitos, e à sociedade cabe o papel de usufruir. Nada mais.

Pode-se até fazer uma discussão mais ampla, e neste sentido mesmo humanista, afirmando que os direitos sociais são condições de possibilidade da felicidade (tanto no nível subjetivo quanto no nível coletivo, no caso da "felicidade social", citada no projeto). Mas, ao âmbito do texto constitucional devem ser levados tão-somente os critérios objetivos que tornam claros quais são os direitos da sociedade, os deveres do Estado e vice-versa. É preciso fazer uma diferenciação importante: uma reflexão humanista pode pretender que a Constituição garanta benefícios à sociedade, e isto é natural e salutar.

Mas, para tal, deve lutar não com bandeiras de expressões sem efeito e com características subjetivas, mas sim pelos critérios objetivos na legislação que tragam estes benefícios e, mais ainda, pela efetivação destes direitos. Humanizar o debate pode ser uma boa proposta, e isto deve passar por uma luta pela garantia dos direitos sociais na prática, efetivados, e por uma luta para que se torne cada vez mais claro e objetivo o embasamento legal que os afiança.
'Uma proposta sem foco'

De um ponto de vista mais amplo, os direitos sociais ali expressos são, sim, essenciais à busca da felicidade. Mas são, também, essenciais à busca da paz social, cruciais para a fundamentação da justiça, insubstituíveis na edificação da igualdade, necessários à liberdade individual, importantes para a estruturação da democracia, etc. São justamente estes benefícios mais abstratos que podem ser construídos por sobre os direitos sociais que tornam seu registro na Constituição algo indispensável. A base legal do país deve expressar os direitos garantidos à sociedade porque deles a sociedade extrairá benefícios. Expressar tais benefícios abstratos na Constituição, além de gerar efeito neutro, tem potencialidade de gerar discussões homéricas no âmbito da Justiça por conta da expressão de características que podem ser tomadas como subjetivas.

Humanizar a Constituição é algo que parece uma luta sem foco da forma como está sendo feita. Desde que se entende que os direitos sociais são essenciais à busca da felicidade, não dá para compreender o porquê de a luta ser para que isso seja registrado em Constituição, mesmo sem nenhum efeito. Mais coerente seria que, diante da proposta de que os direitos sociais são essenciais à busca da felicidade, tanto coletiva quanto individual, os brasileiros passassem a encampar a luta pela efetivação de tais direitos.

A aplicação plena dos direitos sociais garantidos pela Constituição brasileira podem, sim, contribuir para a busca da felicidade. Não há dúvidas quanto a isso. Mas podem também contribuir para uma série de outros benefícios para a sociedade, do que também não há como duvidar. Logo, gerar benefícios à sociedade é garantir tais direitos. Isso é verdadeiramente humanizar a Constituição.

*Ivan Bilheiro é graduando em História e em Filosofia

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