A TRAGÉDIA DE VOLTA. Temor na Grécia impacta o Brasil
Indefinição política e econômica do país que é berço da democracia volta a provocar turbulência nos mercados, fazendo o dólar subir e as bolsas caírem. O que os investidores temem é o risco de uma nova ruptura na estabilidade do sistema financeiro internacional semelhante à que foi provocada em 2008 e espalhou uma onda de crise em todo o planeta, inclusive com efeitos no bolso dos brasileiros
Negociações fracassadas para formar um novo governo na Grécia acentuaram ontem o risco de que o país abandone a moeda comum da Europa e deflagre uma nova onda de crise pelo planeta, com respingos no Brasil, onde o dólar voltou ao patamar de R$ 2 pela primeira vez desde 2009. A alta da moeda americana provoca elevação de preços de produtos importados e até dos nacionais cuja cotações são definidas no Exterior – como o óleo de soja –, e pressiona a inflação. Se a inflação subir, o governo pode ser obrigado a interromper a queda no juro, freando o crescimento brasileiro.
Ontem, os gregos decidiram convocar novas eleições, que serão realizadas antes do final de junho, com forte tendência de eleger um governo contrário à política de austeridade implantada no país há dois anos, que tem provocado protestos.
Foi a quarta tentativa de formar um novo governo na Grécia desde as eleições parlamentares de 6 de maio, quando nenhum partido obteve maioria. Os três primeiros colocados não conseguiram apoio suficiente, e um ensaio de governo tecnocrata, sem identificação partidária, terminou sem sucesso.
Há cinco anos em recessão – e mais uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) de 6,2% no primeiro trimestre –, com desemprego elevado e protestos quase diários nas ruas, os gregos já não apoiam políticos que se comprometam com mais arrocho. Como a ajuda internacional para que a Grécia mantenha em dia o pagamento de sua dívida está condicionado à aplicação de cortes em gastos e elevação de impostos, aumenta o risco de um calote com perdas para o sistema financeiro internacional.
– Desgraçadamente, vamos ter eleições de novo, em alguns dias, sob muitas más condições – lamentou o líder do socialista Pasok, Evangelos Venizelos, no fim de uma reunião dos principais políticos com o presidente, Carolos Papulias.
Pesquisas apontam o partido radical de esquerda Syriza, que rejeita o arrocho, como provável vencedor da nova votação. Líderes europeus dizem que vão cortar o financiamento à Grécia se o país recuar das promessas feitas em troca do pacote de ajuda acertado em março, o que pode significar a falência do Estado e a exclusão grega da zona do euro. O estrago que essa situação provocaria na economia internacional é comparado ao da quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, que deflagrou uma crise global.
– A possibilidade de que a Grécia saia da zona do euro não foi objeto de debate, ninguém se manifestou a favor – afirmou o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, criticando abertamente a “propaganda” dos que evocam a possibilidade de que o país seja expulso.
Charles Dallara, o presidente do Instituto Internacional de Finanças (IIF), organização com sede em Washington, que reúne os principais bancos do mundo e que negociou recentemente o plano de perdão de parte da dívida soberana grega, deu um inesperado apoio ao país em crise.
– Estou entre os que pensam que a saída da Grécia da zona do euro não está decidida – afirmou à TV britânica Channel 4.
Na primeira reunião do novo presidente da França, François Hollande, com a chanceler alemã, Angela Merkel, ambos defenderam a permanência da Grécia na zona do euro. Foi uma das poucas concordâncias entre os dois. Enquanto Merkel defende medidas de austeridade, Hollande quer estimular a economia e retomar o crescimento.
Cotação agita negócios
Efeito mais imediato da volta da turbulência, a alta na cotação do dólar tem movimentado agências de câmbio. Quem tem viagem marcada se apressa para comprar, com temor de que suba. Quem tinha dólar guardado aproveita a alta para ganhar. Desde a semana passada, as vendas da moeda estrangeira aumentaram 10% em uma casa de câmbio do centro da Capital, onde o dólar foi cotado a R$ 2,10. Com viagem a Buenos Aires programada para julho, o servidor público federal Fábio Gaspar resolveu antecipar a compra de dólar.– Pelo menos se subir mais já terei garantido uma parte do dinheiro que irei levar – prevê Gaspar.
Em sentido contrário, a professora Ivone Araci Droescher, 68 anos, aproveitou a subida do dólar para vender US$ 200 que havia guardado da viagem feita ao México no ano passado.
– Esperei a alta para trocar. Vou usar o dinheiro para pagar o IPVA do meu carro – contou Ivone, moradora de Canoas.
CENÁRIOS:
1. Se Grécia sair logo da zona do euro - É a hipótese mais assustadora, mas a menos provável. Até junho, um governo interino vai governar o país e deverá manter os compromissos assumidos. No entanto, as eleições de junho podem determinar uma saída desordenada do euro e a volta à moeda nacional, o dracma. Isso poderia contagiar Espanha, Itália, Irlanda, Portugal. Para o Brasil, pode haver redução ou interrupção do fluxo de recursos externos, que provocaria uma forte desvalorização do real, que levaria o Banco Central (BC) a elevar o juro para conter a inflação decorrente.
2. Se a indefinição se arrastar - É considerado o cenário mais provável, até porque já foram feitos exercícios sobre o custo da saída da Grécia da zona do euro, e o resultado foi atemorizador. No entanto, a indefinição tende a gerar um ambiente de volatilidade, os mercados se tornar mais sensíveis e mais países europeus entrariam em recessão. No Brasil, o cenário seria de desvalorização do real, o que o governo deseja.
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