Maria Inês Dolci é coordenadora institucional da Pro Teste e colunista daFolha
POR FOLHA
Uma das piores coisas que podem acontecer a uma defensora dos direitos do consumidor é elogiar um governante antes do tempo e, como se dizia antigamente, queimar a língua.
POR FOLHA
Uma das piores coisas que podem acontecer a uma defensora dos direitos do consumidor é elogiar um governante antes do tempo e, como se dizia antigamente, queimar a língua.
Confesso que isso aconteceu comigo. Escrevi um artigo, neste espaço, no qual elogiava a presidente Dilma Rousseff por sancionar a lei que obrigaria as empresas a discriminar os impostos na nota fiscal.
Pois é, com tempo de verbo não há discussão. Obrigaria e não obrigará, pois a vigência da lei foi postergada em um ano, equivalentes a 365 dias, a 8.760 horas, a 525.600 minutos, e a 31.536 mil segundos.
Junho de 2014, meus caros leitores, será uma incógnita. O governo federal aproveitou o envio da Medida Provisória do programa Minha Casa Melhor – que subsidia a compra de móveis e eletrodomésticos aos beneficiários do Minha Casa, Minha Vida – para embutir a prorrogação de um ano para sanções às empresas que não discriminassem nas notas e cupons fiscais os tributos cobrados em produtos e serviços.
Ou seja, não teve a firmeza e a coerência de manter o que estava previsto. Tal legislação iniciaria um processo sem precedentes de cidadania econômica. De volta ao passado, jogaram para o futuro uma medida urgente, essencial, que já chegaria tardiamente.
A quem interessa tal atraso? Certamente não aos consumidores, submetidos a uma das mais cruéis e absurdas cargas tributárias e fiscais do mundo, com a contrapartida de péssimos serviços públicos.
Quanto desserviço ao interesse público! Mais uma vez o direito à informação foi desrespeitado.
Sinto ter acreditado que as coisas se encaminhassem para uma prestação de contas governamental aos cidadãos. O histórico dos governantes brasileiros deveria ter servido de alerta para mim. Mas, admito, fui confiante demais.
Em minha defesa, argumento que o governo federal parecia determinado a divulgar o peso da carga tributária em cada transação comercial. Havia uma sensação de que fosse para valer.
Comerciantes não se ajustaram à lei em seis meses. Terão mais um ano para esta adaptação, caso a regulamentação da lei – sim, só pensaram nisso agora – efetivamente ocorra. Quem garante que não ficará esquecida nos escaninhos da política contra o consumidor?
Afinal, cesteiro que faz um cesto, faz um cento. O ditado pode ser velho, mas as práticas políticas também o são. Impostos e taxas entram em vigor imediatamente. Legislações que beneficiem o consumidor, contudo, são alteradas aos 45 minutos do segundo tempo.
Puxa vida, presidente, não se pode elogiar, mesmo. Parece que não há como confiar em ações em favor da cidadania econômica.
Continuaremos a viver em um país no qual quem banca a conta não tem direitos, somente deveres. Em que quem paga Imposto de Renda por uma tabela que não é reajustada pela inflação, não pode sequer saber o quanto os tributos pesam nos preços de produtos e serviços que adquire.
O sonho, enfim, acabou. Entidades representativas dos lojistas comemoraram o adiamento, embora também tivessem muito a ganhar com mais pressões contra a excessiva carga tributária.
O que dizer sobre isto? As entidades falaram em aprimorar as novas regras. Sim, claro, aprimorar. Hã, hã, sem dúvida, a vigência da lei foi postergada para melhorar tudo, como sempre.
Beleza, não? O consumidor que se lixe se esperava saber, com detalhes, o quanto os impostos reduzem seu poder de compra. Tudo vai ficar para o futuro. Daqui a um ano? Talvez sim, talvez não. Só poderemos acreditar quando a lei estiver em vigor, sem possibilidade de retrocesso.
Até junho do ano que vem, então, tudo como dantes no quartel de Abrantes, mais uma velha máxima para persistentes hábitos de quem manda.