Não causa surpresa a divulgação da pesquisa da ProTeste, uma associação de defesa do consumidor, que mostra os níveis elevados das taxas de juros cobradas por cartões de crédito no Brasil. O custo anual é de 323,14%, contra apenas 55% no Peru, o segundo colocado na América Latina.
Este é apenas mais um exemplo da agiotagem --na falta de termo mais apropriado-- que ainda caracteriza parte da atividade de intermediação financeira no Brasil.
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Os custos extorsivos se estendem ao cheque especial e a outras modalidades de empréstimos rotativos para indivíduos e empresas.
No caso especifico dos cartões de crédito, são vários os motivos que propiciam valores abusivos. A começar pela baixíssima concorrência no setor, onde se observa uma peculiar interação entre empresas de credenciamento e bancos.
O duopólio Cielo-Redecard detém cerca de 90% do mercado de credenciamento de cartões no Brasil, que engloba o processamento e a liquidação financeira das transações de crédito e débito das principais bandeiras --Visa e Mastercard.
O último elo dessa cadeia são os emissores de cartões, ou seja, os grandes bancos. São eles que tratam da relação com o consumidor.
A principal receita dos credenciadores advém da taxa cobrada por transação realizada, de aproximadamente 1,2% na operação de crédito e 0,75% na de débito.
A cobrança recai sobre os lojistas, que não têm para onde escapar, em especial os menores, com pouco poder de barganha.
Apesar de terem caído levemente nos últimos anos, as taxas por transação são ainda muito superiores às norte-americanas, por exemplo, que giram em torno de 0,4% no crédito e ainda menos no débito.
Os bancos ganham nas transações a mesma taxa dos credenciadores, além de cobrar a anuidade do cartão e os juros do crédito rotativo.
Trata-se de um negócio excepcional para ambos. Afinal, a expansão do consumo, com o crescente uso de meios eletrônicos de pagamento, fez com que o volume financeiro total dos cartões saltasse de R$ 65 bilhões em 2000 para mais de R$ 670 bilhões em 2011.
É evidente que a concentração no credenciamento inibe a concorrência. Outro agravante é o fato de os credenciadores serem controlados pelos emissores de cartões.
A Redecard, por exemplo, é vinculada ao Itaú, que detém 50,01% das ações. O banco recentemente fez uma oferta pública para adquirir os papéis que estão no mercado e fechar o capital da empresa --prova de que deve considerar o credenciamento um ótimo negócio. A Cielo, por sua vez, tem seu controle compartilhado por Bradesco e Banco do Brasil, que juntos possuem 57,3% das ações.
Tal simbiose sugere, no mínimo, questões de conflito de interesse e falta de transparência. É evidente que os bancos não facilitam a entrada de novos concorrentes para manter total controle da distribuição, isto é, do acesso ao cliente final.
A pressão do governo para aumentar a competição, por meio do partilhamento das máquinas entre as diversas bandeiras, por exemplo, pouco contribuiu para mudar esse quadro.
Frente à concentração e ao poderio dos bancos, não surpreende que medidas pontuais surtam efeito irrisório. Depois de quase cinco anos de discussões sobre medidas a adotar, os resultados são decepcionantes.
O controle das credenciadoras por instituições bancárias é um fator a ser analisado e, eventualmente, limitado. De uma maneira geral, é preciso mais firmeza por parte de órgãos como o Banco Central, a Secretaria de Direito Econômico e o Cade.
No caso das outras modalidades de crédito rotativo, como o cheque especial, a questão se resume aos bancos. Tem razão a presidente Dilma Rousseff quando afirma não haver justificativa técnica para os "spreads" (diferença entre os custos de captação e os cobrados nos empréstimos) praticados no país.
Os juros no cheque especial ainda estão próximos de 170% ao ano, segundo dados do Banco Central. A inadimplência e os impostos sem dúvida fazem parte do problema, mas é um exagero pôr a culpa pelas taxas tão elevadas nos que não pagam. O mais provável é que os patamares estratosféricos causem e aumentem a inadimplência.
Sinais de avanço, contudo, aparecem, se bem que tênues, em algumas modalidades, como o crédito para aquisição de bens, cujo custo caiu de 49%, em média, em 2011, para 41,4% em maio deste ano.
Do lado empresarial, as taxas para desconto de duplicatas e capital de giro têm decrescido, situando-se entre 20% e 36% ao ano.
Considerando que a taxa básica de juros é de 8% ao ano, não há dúvida de que resta longo caminho a percorrer. A pressão sobre os bancos precisa continuar, com vista ao alinhamento do custo do dinheiro à realidade nacional, que não mais comporta tal disparidade frente às práticas internacionais.