REVISTA ISTO É N° Edição: 2373 | 23.Mai.15 - 10:05
Produtos e serviços com elevação de preços maior que a inflação oficial destroem o poder de compra e obrigam milhões de brasileiros a mudar os hábitos de consumo
Mariana Queiroz Barboza
Enquanto a crise econômica não chega ao bolso das pessoas, elas tendem a achar que os problemas anunciados pelos especialistas não passam de miragem. O PIB empacou? Os investimentos caíram? O governo trabalha sem superávit? Se isso não afeta a vida ou trabalho de alguém, provavelmente não vai significar coisa alguma. Mas as questões financeiras dos brasileiros passam por um momento singular. A inflação, aquela velha senhora que parecia domada pelo Plano Real, está de volta. Junto dela, ressurgem lembranças ruins e os temores que pareciam confinados a um passado distante. Para quase todo mundo, não há nada mais chocante e verdadeiro no campo econômico do que a descoberta de que os preços estão em forte disparada. Isso não só escancara a crise – sim, ela está aí e desta vez veio com força – como causa impactos financeiros imediatos. Para a classe média, essa realidade é ainda mais cruel. A conta para esse grupo de brasileiros está pesada. Entre janeiro e abril, as mensalidades escolares subiram, em média, 10%. No supermercado, alguns alimentos ficaram, neste ano, 40% mais caros. O preço da gasolina acelerou 9%. Nos cursos de idiomas, a alta superou 11%. Tudo isso para uma inflação oficial de 4,56% nos quatro primeiros meses de 2015. Está caro demais viver no Brasil – e, se o governo não agir com tenacidade, vai ficar ainda mais.
DE SAÍDA
Paolina Pin, 21, trancou a faculdade para estudar nos EUA. “Mesmo com o dólar
a R$ 3, sai mais em conta viver lá do que morar sozinha em São Paulo”, diz.
Paolina mora com a mãe, a empresária Catia, 43, e o irmão, Levi, 2.
Para economizar, Catia tem cortado o cabelo do filho em casa
O estouro inflacionário deixou a classe média no sufoco e vem provocando mudanças nos hábitos de consumo. A publicitária e blogueira Loreta Berezutchi, 32 anos, está acostumada a fazer contas para encaixar as necessidades e caprichos dos filhos Pedro, 7, e Catarina, 5, no orçamento que divide com o marido, o engenheiro civil Flávio, 37. No começo do ano, quando viu que as mensalidades da escola subiriam cerca de 15%, Loreta passou um pente fino na imensa lista de materiais pedidos e reciclou lápis, pastas e cadernos. Ao perceber que o avanço dos preços era generalizado, sobretudo o do leite, que praticamente passou a custar o dobro, a blogueira tomou medidas ainda mais radicais. Cortou os R$ 300 que ela e o marido gastavam na academia e dividiu um professor com outros moradores do prédio onde mora, ao custo de R$ 70 por pessoa. Na mesma época, o plano de celular e internet, que antes custava R$ 99, aumentou para R$ 135. “Não dava para manter como estava”, diz Loreta. “Então reduzi meu tempo de ligação e dados de internet. Continuei pagando o mesmo valor, mas por um serviço pior.”
A família de São Paulo mostra como a inflação, aliada à desaceleração da economia, tem reduzido o poder de compra da classe média nos últimos meses. Agora, esses brasileiros não só deixam de sair de casa para jantar, como prestam mais atenção às ofertas e batalham descontos, dão menos importância às marcas, frequentam menos os salões de beleza e evitam os passeios em shopping centers. Alguns chegaram a adiar a troca do carro e, a despeito dos protestos dos filhos, cancelaram a viagem das férias de julho. O cenário pessimista é compartilhado por empresários e economistas. Na semana passada, o mercado elevou suas projeções pela quinta vez consecutiva e a expectativa é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a medida oficial da inflação no Brasil) encerre o ano em 8,31%. Se o número provar-se verdadeiro, essa será a maior variação em 12 anos.
Embora os preços nos supermercados e restaurantes assustem, o que mais pesa para a classe média são as despesas com habitação. Nesse grupo social, as casas costumam ter mais equipamentos eletrônicos e lâmpadas. Por isso, gastam mais energia. Não por acaso, o recente reajuste nas tarifas elétricas atingiu em cheio a população. De janeiro a abril, segundo o IPCA, a conta de luz subiu 38%. Considerando só a classe média, esse item aumentou 19% apenas em abril e 47% neste ano, de acordo com o Índice do Custo de Vida da Classe Média (ICVM), elaborado pela Ordem dos Economistas do Brasil. O ICVM mede a variação dos preços de 468 itens na Grande São Paulo, mas, segundo seu coordenador, o economista José Tiacci Kirsten, tem alcance mais amplo, já que o comportamento não difere muito no interior do Estado.
Na hora de pagar as contas, o aumento sentido parece muito maior que as estatísticas oficiais. Parte dessa sensação pode ser explicada pela economia comportamental. O psicólogo israelense Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2002, afirma que as pessoas tendem a dar mais importância aos eventos negativos que positivos. No livro “Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar”, Kahneman cita um experimento para comprovar sua tese. Segundo ele, uma única barata tira todo o apelo de um pote cheio de cerejas, mas uma única cereja é incapaz de tornar um pote de baratas mais atraente.
É fácil de entender como o raciocínio se aplica à economia. Basta colocar lado a lado três produtos com o mesmo peso: A, B e C. Se o valor de A subir 10%, o de B permanecer estável e o de C cair 10%, a inflação no período será zero. Contudo, para quem consome mais o produto A – item, portanto, que terá mais peso na cesta –, a sensação de que a inflação subiu é muito maior. “Na prática, famílias com crianças em idade escolar percebem uma inflação mais alta quando ocorrem aumentos nas mensalidades escolares e famílias com idosos a percebem com os aumentos dos remédios e planos de saúde”, diz André Braz, analista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. “Já famílias de baixa renda, aquelas que recebem até 2,5 salários mínimos mensais, notam mais a inflação quando os preços dos alimentos e das passagens de ônibus urbano ficam mais caras.” Assim, para chegar a uma média nacional, o IPCA é medido em 13 regiões metropolitanas e abrange famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos.
Alguns economistas argumentam que um pouco de inflação não faz mal. Em países estáveis e com economia relativamente desenvolvida, uma taxa ao redor de 2% e 3% é até saudável para o crescimento do PIB. Isso porque estimula os investimentos, o aumento dos salários e o consumo – se um produto ficasse mais barato dia após dia, não haveria razão para comprá-lo agora, nem investir na compra de um equipamento, no caso de uma empresa. Mas a questão brasileira é bem diferente. Quando o índice ultrapassa o limite saudável, os efeitos são perversos. Segundo o próprio Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, essas distorções podem ser observadas “no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários.” Em resumo, corrói o poder de compra, o consumo e o potencial de crescimento da economia, o que afeta também a geração de empregos e a renda. É nesse pesadelo que o País está mergulhado.
Quando fizeram as contas de quanto gastariam numa noite de diversão no Rio de Janeiro, a produtora de eventos Raphaela Rodrigues, 32 anos, e o publicitário André Olive, 45, desistiram de sair na última hora. O valor do ingresso do show (R$ 80 para cada) mais o táxi (R$ 75) e os gastos com bebida seriam um exagero que não podem mais cometer. Optaram por fazer um jantar em casa. “Tinha preguiça de cozinhar, mas agora não tem outro jeito”, diz Raphaela.
Para conter a inflação, o governo tem usado a velha estratégia de aumentar os juros, o que encarece o crédito e, no fim do ciclo, espanta consumidores. Na última reunião, em 29 de abril, o Copom elevou a taxa básica de juros, Selic, em 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano. Segundo especialistas, ela deve seguir a trajetória ascendente. O Banco Central, afinal, já disse que continuará a subir os juros até suas projeções apontarem para uma taxa de 4,5% no fim de 2016. Além do crescimento da demanda por serviços, existem outros motivos na raiz do aumento de preços e da redução do poder de compra. Para Rodrigo Zeidan, professor de economia e finanças da Fundação Dom Cabral (FDC), o choque inflacionário que o País enfrenta é, em parte, resultado da desvalorização cambial e do realinhamento dos preços administrados (como combustíveis e eletricidade). Para ser mais direto: o governo represou preços em 2014 e a conta veio agora. Em Brasília, o professor Sidney Barbosa, 66 anos, enche o tanque do carro a cada quatro dias. Com o aumento da gasolina neste ano, ele sentiu essa despesa subir um terço.
Na opinião de Zeidan, da FDC, para conter o avanço do IPCA é muito melhor fazer um ajuste fiscal, em que o governo gaste menos, do que monetário – com a vantagem de que isso ainda diminuiria a relação dívida/PIB no longo prazo. “A questão é que aumentar os juros é mais fácil para o governo, porque não precisa de autorização do Congresso”, diz o pesquisador. José Tiacci Kirsten, da Ordem dos Economistas do Brasil, confia no efeito positivo do ajuste fiscal para o ano que vem, quando a pressão inflacionária deve arrefecer. “Neste ano, estamos comprometidos, não tem mais salvação”, afirma.
Numa perspectiva de longo prazo, não há fórmula mágica. A cartilha dos economistas recomenda melhora na produtividade, o que implica em modernização da infraestrutura, qualificação da mão-de-obra e reformas estruturais. Hoje o Brasil é um dos países com pior desempenho no Ranking Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, ocupando o 57º lugar. No índice organizado pela Confederação Nacional da Indústria, com 14 nações, o País só ganha da Argentina. O exemplo para mudar essa realidade poderia vir do agronegócio. Nas últimas duas décadas, a produção nacional de grãos avançou mais de 200%, enquanto a área cultivada ampliou-se em apenas 50%.
Enquanto isso não acontece, é preciso variar as formas de investimento para proteger as aplicações financeiras. Queridinha dos brasileiros, a poupança não é mais uma opção. Seus ganhos têm sido corroídos pela inflação desde dezembro do ano passado. Uma alternativa seria aplicar nos títulos do Tesouro Direto. Uma espécie de poupança protegida da inflação, o Tesouro Direto está ao acesso de praticamente qualquer um da classe média. Entre as opções disponíveis, existem os papéis indexados ao IPCA e à taxa Selic, com rentabilidade média de 13%. Mas isso não vai salvar por completo as finanças de ninguém. O Brasil, afinal, enfrenta o cenário mais difícil – retração econômica combinada com inflação alta. Resolver essa equação é o dilema que se impõe ao governo Dilma Rousseff.
(Com reportagem de Ludmilla Amaral e Luisa Purchio)
Fotos: Airam Abel/Ag. Istoé, Thiago Bernardes/Frame; Frederic Jean/Ag. Istoé
Produtos e serviços com elevação de preços maior que a inflação oficial destroem o poder de compra e obrigam milhões de brasileiros a mudar os hábitos de consumo
Mariana Queiroz Barboza
Enquanto a crise econômica não chega ao bolso das pessoas, elas tendem a achar que os problemas anunciados pelos especialistas não passam de miragem. O PIB empacou? Os investimentos caíram? O governo trabalha sem superávit? Se isso não afeta a vida ou trabalho de alguém, provavelmente não vai significar coisa alguma. Mas as questões financeiras dos brasileiros passam por um momento singular. A inflação, aquela velha senhora que parecia domada pelo Plano Real, está de volta. Junto dela, ressurgem lembranças ruins e os temores que pareciam confinados a um passado distante. Para quase todo mundo, não há nada mais chocante e verdadeiro no campo econômico do que a descoberta de que os preços estão em forte disparada. Isso não só escancara a crise – sim, ela está aí e desta vez veio com força – como causa impactos financeiros imediatos. Para a classe média, essa realidade é ainda mais cruel. A conta para esse grupo de brasileiros está pesada. Entre janeiro e abril, as mensalidades escolares subiram, em média, 10%. No supermercado, alguns alimentos ficaram, neste ano, 40% mais caros. O preço da gasolina acelerou 9%. Nos cursos de idiomas, a alta superou 11%. Tudo isso para uma inflação oficial de 4,56% nos quatro primeiros meses de 2015. Está caro demais viver no Brasil – e, se o governo não agir com tenacidade, vai ficar ainda mais.
DE SAÍDA
Paolina Pin, 21, trancou a faculdade para estudar nos EUA. “Mesmo com o dólar
a R$ 3, sai mais em conta viver lá do que morar sozinha em São Paulo”, diz.
Paolina mora com a mãe, a empresária Catia, 43, e o irmão, Levi, 2.
Para economizar, Catia tem cortado o cabelo do filho em casa
O estouro inflacionário deixou a classe média no sufoco e vem provocando mudanças nos hábitos de consumo. A publicitária e blogueira Loreta Berezutchi, 32 anos, está acostumada a fazer contas para encaixar as necessidades e caprichos dos filhos Pedro, 7, e Catarina, 5, no orçamento que divide com o marido, o engenheiro civil Flávio, 37. No começo do ano, quando viu que as mensalidades da escola subiriam cerca de 15%, Loreta passou um pente fino na imensa lista de materiais pedidos e reciclou lápis, pastas e cadernos. Ao perceber que o avanço dos preços era generalizado, sobretudo o do leite, que praticamente passou a custar o dobro, a blogueira tomou medidas ainda mais radicais. Cortou os R$ 300 que ela e o marido gastavam na academia e dividiu um professor com outros moradores do prédio onde mora, ao custo de R$ 70 por pessoa. Na mesma época, o plano de celular e internet, que antes custava R$ 99, aumentou para R$ 135. “Não dava para manter como estava”, diz Loreta. “Então reduzi meu tempo de ligação e dados de internet. Continuei pagando o mesmo valor, mas por um serviço pior.”
A família de São Paulo mostra como a inflação, aliada à desaceleração da economia, tem reduzido o poder de compra da classe média nos últimos meses. Agora, esses brasileiros não só deixam de sair de casa para jantar, como prestam mais atenção às ofertas e batalham descontos, dão menos importância às marcas, frequentam menos os salões de beleza e evitam os passeios em shopping centers. Alguns chegaram a adiar a troca do carro e, a despeito dos protestos dos filhos, cancelaram a viagem das férias de julho. O cenário pessimista é compartilhado por empresários e economistas. Na semana passada, o mercado elevou suas projeções pela quinta vez consecutiva e a expectativa é que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a medida oficial da inflação no Brasil) encerre o ano em 8,31%. Se o número provar-se verdadeiro, essa será a maior variação em 12 anos.
Embora os preços nos supermercados e restaurantes assustem, o que mais pesa para a classe média são as despesas com habitação. Nesse grupo social, as casas costumam ter mais equipamentos eletrônicos e lâmpadas. Por isso, gastam mais energia. Não por acaso, o recente reajuste nas tarifas elétricas atingiu em cheio a população. De janeiro a abril, segundo o IPCA, a conta de luz subiu 38%. Considerando só a classe média, esse item aumentou 19% apenas em abril e 47% neste ano, de acordo com o Índice do Custo de Vida da Classe Média (ICVM), elaborado pela Ordem dos Economistas do Brasil. O ICVM mede a variação dos preços de 468 itens na Grande São Paulo, mas, segundo seu coordenador, o economista José Tiacci Kirsten, tem alcance mais amplo, já que o comportamento não difere muito no interior do Estado.
Na hora de pagar as contas, o aumento sentido parece muito maior que as estatísticas oficiais. Parte dessa sensação pode ser explicada pela economia comportamental. O psicólogo israelense Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 2002, afirma que as pessoas tendem a dar mais importância aos eventos negativos que positivos. No livro “Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar”, Kahneman cita um experimento para comprovar sua tese. Segundo ele, uma única barata tira todo o apelo de um pote cheio de cerejas, mas uma única cereja é incapaz de tornar um pote de baratas mais atraente.
É fácil de entender como o raciocínio se aplica à economia. Basta colocar lado a lado três produtos com o mesmo peso: A, B e C. Se o valor de A subir 10%, o de B permanecer estável e o de C cair 10%, a inflação no período será zero. Contudo, para quem consome mais o produto A – item, portanto, que terá mais peso na cesta –, a sensação de que a inflação subiu é muito maior. “Na prática, famílias com crianças em idade escolar percebem uma inflação mais alta quando ocorrem aumentos nas mensalidades escolares e famílias com idosos a percebem com os aumentos dos remédios e planos de saúde”, diz André Braz, analista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. “Já famílias de baixa renda, aquelas que recebem até 2,5 salários mínimos mensais, notam mais a inflação quando os preços dos alimentos e das passagens de ônibus urbano ficam mais caras.” Assim, para chegar a uma média nacional, o IPCA é medido em 13 regiões metropolitanas e abrange famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos.
Alguns economistas argumentam que um pouco de inflação não faz mal. Em países estáveis e com economia relativamente desenvolvida, uma taxa ao redor de 2% e 3% é até saudável para o crescimento do PIB. Isso porque estimula os investimentos, o aumento dos salários e o consumo – se um produto ficasse mais barato dia após dia, não haveria razão para comprá-lo agora, nem investir na compra de um equipamento, no caso de uma empresa. Mas a questão brasileira é bem diferente. Quando o índice ultrapassa o limite saudável, os efeitos são perversos. Segundo o próprio Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, essas distorções podem ser observadas “no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários.” Em resumo, corrói o poder de compra, o consumo e o potencial de crescimento da economia, o que afeta também a geração de empregos e a renda. É nesse pesadelo que o País está mergulhado.
Quando fizeram as contas de quanto gastariam numa noite de diversão no Rio de Janeiro, a produtora de eventos Raphaela Rodrigues, 32 anos, e o publicitário André Olive, 45, desistiram de sair na última hora. O valor do ingresso do show (R$ 80 para cada) mais o táxi (R$ 75) e os gastos com bebida seriam um exagero que não podem mais cometer. Optaram por fazer um jantar em casa. “Tinha preguiça de cozinhar, mas agora não tem outro jeito”, diz Raphaela.
Para conter a inflação, o governo tem usado a velha estratégia de aumentar os juros, o que encarece o crédito e, no fim do ciclo, espanta consumidores. Na última reunião, em 29 de abril, o Copom elevou a taxa básica de juros, Selic, em 0,5 ponto percentual, para 13,25% ao ano. Segundo especialistas, ela deve seguir a trajetória ascendente. O Banco Central, afinal, já disse que continuará a subir os juros até suas projeções apontarem para uma taxa de 4,5% no fim de 2016. Além do crescimento da demanda por serviços, existem outros motivos na raiz do aumento de preços e da redução do poder de compra. Para Rodrigo Zeidan, professor de economia e finanças da Fundação Dom Cabral (FDC), o choque inflacionário que o País enfrenta é, em parte, resultado da desvalorização cambial e do realinhamento dos preços administrados (como combustíveis e eletricidade). Para ser mais direto: o governo represou preços em 2014 e a conta veio agora. Em Brasília, o professor Sidney Barbosa, 66 anos, enche o tanque do carro a cada quatro dias. Com o aumento da gasolina neste ano, ele sentiu essa despesa subir um terço.
Na opinião de Zeidan, da FDC, para conter o avanço do IPCA é muito melhor fazer um ajuste fiscal, em que o governo gaste menos, do que monetário – com a vantagem de que isso ainda diminuiria a relação dívida/PIB no longo prazo. “A questão é que aumentar os juros é mais fácil para o governo, porque não precisa de autorização do Congresso”, diz o pesquisador. José Tiacci Kirsten, da Ordem dos Economistas do Brasil, confia no efeito positivo do ajuste fiscal para o ano que vem, quando a pressão inflacionária deve arrefecer. “Neste ano, estamos comprometidos, não tem mais salvação”, afirma.
Numa perspectiva de longo prazo, não há fórmula mágica. A cartilha dos economistas recomenda melhora na produtividade, o que implica em modernização da infraestrutura, qualificação da mão-de-obra e reformas estruturais. Hoje o Brasil é um dos países com pior desempenho no Ranking Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, ocupando o 57º lugar. No índice organizado pela Confederação Nacional da Indústria, com 14 nações, o País só ganha da Argentina. O exemplo para mudar essa realidade poderia vir do agronegócio. Nas últimas duas décadas, a produção nacional de grãos avançou mais de 200%, enquanto a área cultivada ampliou-se em apenas 50%.
Enquanto isso não acontece, é preciso variar as formas de investimento para proteger as aplicações financeiras. Queridinha dos brasileiros, a poupança não é mais uma opção. Seus ganhos têm sido corroídos pela inflação desde dezembro do ano passado. Uma alternativa seria aplicar nos títulos do Tesouro Direto. Uma espécie de poupança protegida da inflação, o Tesouro Direto está ao acesso de praticamente qualquer um da classe média. Entre as opções disponíveis, existem os papéis indexados ao IPCA e à taxa Selic, com rentabilidade média de 13%. Mas isso não vai salvar por completo as finanças de ninguém. O Brasil, afinal, enfrenta o cenário mais difícil – retração econômica combinada com inflação alta. Resolver essa equação é o dilema que se impõe ao governo Dilma Rousseff.
(Com reportagem de Ludmilla Amaral e Luisa Purchio)
Fotos: Airam Abel/Ag. Istoé, Thiago Bernardes/Frame; Frederic Jean/Ag. Istoé
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