ARTIGOS
MOISÉS MENDES*
Os estrangeiros que estiveram aqui na Copa reafirmaram o que todo mundo sabe. Os preços enlouqueceram no Brasil. Os turistas foram esfolados pelas companhias aéreas, por hotéis, bares, restaurantes. E não foi por nenhuma eventual deformação de mercado, foi por deformação moral mesmo.
As queixas contra a precariedade da telefonia celular e da internet e contra os preços abusivos puxaram as reclamações. É um constrangimento do tamanho da goleada para a Alemanha. Mas os estrangeiros não experimentaram todas as malandragens da nossa livre iniciativa mais primitiva.
Eles deveriam ter experimentado uma compra a prazo, para desfrutar das relações com um banco ou uma financeira. Húngaros, espanhóis, alemães, nigerianos, ingleses, bolivianos, ucranianos, americanos – todos os povos que estiveram aqui não têm o que só o Brasil tem.
Não há na Síria, na Mauritânia, no Paraguai ou no Tajiquistão um sistema financeiro como o brasileiro. Nunca, em lugar algum, os bancos ganharam tanto. Não há, no mais atrasado reduto da Humanidade, um juro como o do Brasil.
Você sabe disso. Você, que é comerciante, padeiro, arquiteta, construtor, cabeleireira ou engenheiro, sabe o que isso significa. Você poderia discursar na Esquina Democrática contra a espoliação dos juros e gritar: “E não se ouve um pio contra essa aberração”.
Se você bradasse uma frase exatamente assim, estaria participando do jogral de um empresário de respeito. Benjamin Steinbruch, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, publicou um artigo esta semana em que se queixou dos altos juros e fez este desabafo: “E não se ouve um pio contra essa aberração”.
Pararam de piar. A Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anafac) faz o levantamento do custo do dinheiro no Brasil e mostra que nada se move para baixo. Mas ninguém pia.
Cai a Selic, a tal taxa básica, e não acontece nada. No comércio, o juro médio anual chegou a 72%. Um financiamento de carro sai por 25%. O juro do cartão de crédito, para quem já está degolado, chega a 238%. No cheque especial, a 160%. Se você aplicar em algo que renda juro, o rendimento médio é de 0,5% ao mês, mal encosta em 6% ao ano.
O custo do crédito no Brasil e as margens dos bancos desconectaram-se da realidade. Dia desses, no programa Polêmica, da Rádio Gaúcha, duas economistas tentavam convencer o Lauro Quadros e os ouvintes de que o povo pode, sim, sair a pesquisar juros pelas ruas. Como quem pesquisa o preço da cebola na feira.
A culpa pelos danos dos altos juros, pelo que eu ouvia, seria de quem não sabe pesquisar. Eu escutava o programa no carro. Quase estacionei para ligar para as economistas. Queria saber onde havia liquidação de juros.
Economistas deveriam dizer que é fajuta a competição num mercado em que o juro de crédito direto, como mostra a Anafac, pode variar entre 4,60% e 4,72% ao mês. É ilusória a concorrência numa área em que a taxa média dos juros (considerando-se todo tipo de operação) chega a 100% ao ano.
Eu ouvia as moças e seguia em direção ao trabalho num carro que, quitado o financiamento, custou o dobro do preço à vista, porque sou um péssimo pesquisador. Cruzava por ônibus abarrotados. Tudo gente acomodada e resignada, segundo as economistas, por não saber que os bancos estão à espera dos mais espertos.
Adoradores incondicionais do mercado financeiro se repetem dizendo que as queixas contras as aberrações do sistema são coisa antiga dos discursos anticapitalistas. A resposta a eles poderia ser um pio, só um, inspirado na grita de Steinbruch, mesmo que não adiante nada.
Este é o pio: em lugar nenhum do mundo, na Nova Caledônia, na Sérvia ou no Togo e nem mesmo em reinos de um dono só ou na mais retardatária e selvagem das nações, os bancos se apropriam tanto das partilhas do capitalismo quanto no Brasil.
*Jornalista
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