ARTIGOS
por Moisés Mendes*
Relatos do veraneio dão preferência este ano aos preços das coisas, de qualquer coisa. Você deve ter sua lista de absurdos. Barbaridades como um coco por R$ 10. Estacionamento no pasto, numa área cercada com arame farpado, por R$ 30. Um picolé dito mexicano (há picolé mexicano por todo lado em Santa Catarina) por R$ 8.
A Rosane de Oliveira voltou do Rio alarmada: uma jarra de suco de abacaxi custava R$ 52 no Restaurante Aprazível, em Santa Teresa. Por este preço, Rosane e o marido, o escritor Tailor Diniz, já tomaram cálices e cálices do licor dos monges de Chartreuse em bistrôs bem mais aprazíveis de Paris.
Uma garrafa de cerveja na praia, em qualquer praia, só custa menos de R$ 6 se estiver em liquidação. Cobram R$ 4 por uma garrafinha de água mineral. Bufês considerados “populares’’, de R$ 29,90 o quilo no veraneio passado, pularam para R$ 50.
Desapareceu, junto com os novos preços do Brasil rico, até o truque dos 90 centavos ao final da cifra. Fernanda Montenegro, na bela entrevista ao Marcelo Perrone, domingo passado aqui na Zero, lembrou que a mordida do estacionamento pode custar hoje mais do que o ingresso do teatro. E sempre há quem pague.
Não é conversa mole de fim de férias. Há um fenômeno à espera de desvendamento. Vendedores de cocos, de casas (o que é o preço de um apartamento de meio metro quadrado!!!), refeições, pregos, sucos de abacaxi decidiram copiar as empreiteiras. Tudo tem sobrepreço, e não é só na praia e na miudezama da economia informal. Superfaturaram todo o Brasil.
A culpa seria dos impostos. Não é. O jornal O Globo já mostrou que esse argumento é uma muleta para os que cometem abusos. No caso dos automóveis, por exemplo, a margem de lucro das montadoras aqui é o dobro da média mundial. É assim também, com algumas variações, com energia elétrica, com a água, remédios, roupas, pedágios.
O capitalismo brasileiro inventou uma escala burra, como a que vigora no futebol. É melhor cobrar R$ 100 por um ingresso e ter o estádio quase vazio do que cobrar R$ 50 e ter torcida – que até bem pouco tempo era, afinal, o que importava.
Torcidas exigem estruturas de recepção, segurança, limpeza. O torcedor, inclusive aquele que ainda quer levar a mulher e os filhos ao jogo, é um incômodo.
A explicação pronta para a loucura dos preços, a mais clássica e cômoda, é a que vê nisso uma distorção pontual nos mercados, que regulam tudo. O ex-ministro Delfim Netto tem se dedicado ao assunto, a partir das preocupações do governo com o que seria o preço justo das obras públicas, sob suspeita generalizada de superfaturamento.
Delfim repete que não há o que fazer quando oferta e demanda definem o que as coisas valem (o que não se presta, claro, para obras bancadas com dinheiro público). Mas o que explica os valores absurdos de qualquer produto ou serviço?
Por que, como denunciou em artigo o apresentador Zeca Camargo, um jantar num bom restaurante no Brasil é muitas vezes mais caro do que nos bons restaurantes da Europa, e em euros? Ele não ficou só no chute, citou exemplos de lugares que frequenta. Zeca conhece restaurantes de mais de 90 países.
Eu, que conheço mais de 90 bufês da orla gaúcha e catarinense, não me conformo. No tempo em que havia uma explicação para os mais variados fenômenos da humanidade, eu ligaria para um estudioso e ele me pediria um tempinho para dar uma resposta. E daria.
Hoje, sei que vou ouvir que o pleno emprego e a ascensão da nova classe média desarrumaram os mercados e embaralharam os preços relativos. O povo compra carros, viaja de avião e veraneia como nunca antes neste país. Nunca se tomou tanto suco de abacaxi.
Não é uma explicação convincente, porque não contempla os exageros, como o do Aprazível. A história do suco não é raridade. Há, no Rio, em São Paulo, em Goiânia, no Recife, movimentos de boicote a bares e restaurantes contra abusos banalizados.
Jovens levam bebidas de casa e saem pelas ruas com caixas de isopor nos ombros, para não serem extorquidos pelos comerciantes. Claro que não vai dar certo, até porque certamente vão aumentar o preço das caixas de isopor.
Junto com a melhoria de renda, o Brasil socializou também a pilantragem. Se todo mundo superfatura – estádios, estradas, viadutos, pedágios, escolas, postos de saúde, merenda escolar, por que não eu?
Mas, se não baixam os preços, poderiam pelo menos baixar o volume da música?
*JORNALISTA
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